sexta-feira, maio 03, 2002

Chefe Silva - Entrevista

Encontramos o Chefe Silva à sombra das frondosas tílias, na pacatez da sua terra natal, as Termas de Caldelas, onde vai amiúde “carregar baterias” e acedeu falar connosco.



Manuel Araújo


1. Quer-nos falar sua da família e o primeiro emprego, recorda-se ainda do primeiro ordenado?

A minha família materna, era proveniente de uns caseiros que passaram aqui por Caldelas e a do meu pai, é da família do Vinhas, família conceituada aqui da terra, era uma família de trabalho onde vivi. Depois de a minha mãe ficar viúva e como na escola me consideravam inteligente, puseram-me a estudar para padre, mas eu não nasci para aquilo e vim embora, fugi, vim para Caldelas e comecei a trabalhar ... Trabalhei nas obras e também como ferreiro, com o Félix na casa do Araújo.
Recordo, o meu primeiro ordenado nas obras, foi de oito escudos por dia, e como ferreiro, dois escudos...

2. Quais as qualidades imprescindíveis para ser um bom profissional ? A formação basta ?

A formação é importante.
Mas não basta, é preciso ter força de vontade e interesse pela profissão. Quem cair nela, deve dar o melhor de si, ser bom colega e ter bons amigos para poder aprender, porque ninguém pode ensinar, sem aprender primeiro.

3. Depois de todos estes anos, o cozinhar ainda é um prazer?

Cozinhar será um prazer toda a vida. Começou por ser ao cozinhar para os meus filhos, no trabalho que executava nos hotéis e restaurantes e continua sê-lo, seja perante as câmaras de televisão, ou sozinho em casa, mas aí, a minha mulher corre comigo (risos).

4. A tradição e as influências culinárias, ainda se mantém ?

A tradição culinária mantém-se e está até mais viva. As pessoas chegaram à conclusão de que vale a pena apostar na cozinha portuguesa. Aqui em Caldelas, devido ao termalismo e ao regime alimentar especial, come-se por exemplo uma vitela assada, que já não é igual à de Paranhos. Antigamente era assada no forno de cozer o pão, hoje, já é no fogão de lenha.
Aproveito para dizer, que devido à variedade culinária de Caldelas, tenciono editar um livro da localidade que é a minha terra, pois, temos aqui a cozinha senhorial, a termal e a dos campos…

Na última década, Portugal acolheu muitos galegos que tiveram uma influência positiva na cozinha lisboeta, mas muito negativa, na cozinha portuguesa. Quem positivamente influenciou a cozinha portuguesa, foram os cozinheiros do Alentejo, da Beira Alta, de Trás-os-Montes, aqui do Minho foram inúmeros os que se deslocaram para Lisboa. Terras de Bouro, deve ter dado centenas de profissionais, até o presidente da Câmara chegou a dizer, que iria erigir um monumento ao cozinheiro, mas não o fez, talvez por ser muito caro, mas um dia, alguém o fará…

5. A ciência da cozinha é uma fonte inesgotável ?

É uma fonte inesgotável, estão sempre a aparecer novos ingredientes e novas combinações.


6. Quais as fontes de inspiração para novas receitas?

São os conselhos que as pessoas me dão e as visitas que faço a restaurantes e particulares. Quando falam de cozinha, os meus ouvidos ficam logo atentos… procuro aprender e ensinam-me de boa vontade, quero aprender cada vez mais e evoluir até ao fim.

7. Que gosta mais de cozinhar, entradas ou sobremesas ?

Sou cozinheiro e pasteleiro, gosto de fazer as duas coisas. É sabido, que antes de uma sobremesa, tem que haver uma boa entrada e para acabar uma refeição em beleza tem que haver uma sobremesa. Tenho-me preocupado sempre com as sobremesas, porque a sobremesa antecede o pagamento da conta…(risos).
Temos que mandar o cliente satisfeito. Quem vai a um restaurante, é como quem vai a uma repartição de finanças; se é bem recebido, fica com vontade de pagar os impostos ao Estado. Quem vai a um restaurante e é mal recebido, fica com vontade de não pôr lá mais os pés…

8. Livros e revistas, quantos já editou ?

Livros, ainda só editei um de doçaria tradicional, mas vai brevemente sair outro que está a ser revisto. A revista, é a Teleculinária e já vai nos cinquenta volumes.

9. Durante vários anos, tem tido um programa de Culinária, na Praça da Alegria (RTP), com o Manuel Luís Goucha. Nesse programa, quem coordena as suas receitas?

Estou com Manuel Luís Goucha à cerca de seis anos. Antes do Goucha ia à TV esporadicamente a convite do amigo Júlio Isídro e outros. Mas eu em 1975 tive um programa na RTP, que o sucesso era tal, que ia uma carrinha levar-me o correio. Era pedido para que as pessoas não escrevessem mais, pois não haviam meios técnicos nem humanos para receber toda a correspondência, era às carradas…
Nos meus programas, sou eu que coordeno as minhas receitas.



10. Existe competitividade entre os profissionais do sector ?

Competitividade tem que haver, pois caso contrário, não existiria evolução, nem melhoria de qualidade.

11. Que relação mantém com outros companheiros da sua profissão?

Uma relação boa, amistosa.

12. Qual a sua bebida preferida ?

A minha bebida preferida, continua a ser o vinho verde, mas com moderação. Gosto também muito de água, o meu carro anda só a água… (risos)

13. Como é o seu dia a dia ?

Levanto-me cedo, de manhã é que estou inspirado, tenho a cabeça fresca para fazer receitas e visito os restaurantes; durante a tarde, procuro ficar com a família em casa, se me deixarem…

14. Já visitou as nossas comunidades no estrangeiro?

Sim, já várias vezes. Na Suíça fiz parte de um júri de um concurso de caldeiradas em Geneve. A organização teve azar, tinham 500 inscritos e apareceram mais de 800… Um abraço para eles e para todos os sportinguistas, benfiquistas e todas as outras colectividades de Geneve.
Visitei também Macau, Hong Kong, Paris, Bruxelas, Madrid etc.

15. Se fosse convidado, estaria na disposição de participar em algum evento culinário que eventualmente se realizasse no estrangeiro?

Claro que sim, podem contar comigo, mas é bom avisarem-me com antecedência, pois existem muitos compromissos…

16. Quer dirigir uma palavra aos nossos emigrantes?

Também já fui emigrante em Moçambique, numa altura, em que diziam que aquilo ara nosso, mas eu nunca acreditei… ao fim de quase sete anos regressei.
Sei o que é ser emigrante, por isso, faço votos para que se cumpram todos os vossos objectivos, que consigam regressar, aqueles que o desejarem e os que não quiserem, que aprendam a língua e se integrem nas sociedades que escolheram para trabalhar, que sejam felizes, desejo-lhes o melhor do melhor…

17. Como não residente no concelho de Amares, como vê, em relação ao país, o desenvolvimento da região e em especial as Termas de Caldelas ?

Amares é um Concelho interior, essencialmente rural e de serviços. Talvez no futuro venha a melhorar. Não é daqueles concelhos, onde pode haver um boom económico espontâneo e repentino, vai devagarinho… acho que já foi feito bastante.
Caldelas tem evoluído muito pela iniciativa privada, em casas e casas de hospedes. Mas, nos hotéis tem retrocedido. Antes, haviam aqui três e todos sabiam receber muito bem. Hoje há só um, que é o que está ligado com a empresa das águas e continua a saber receber, tenho por ele o máximo de respeito e estima.
Caldelas, tem que arranjar meios de lazer para estes clientes que nos visitam.
Os aquistas passam o dia dentro de casa, a ver televisão e a falarem uns com os outros e não conhecem Caldelas.
Caldelas não é só a Avenida Afonso Manuel, a verdadeira Caldelas, é aquela que se estende até Cernadela, Lombada, pelas Caldas, até Paranhos e Sequeiros é como se fossem Caldelas…
Temos o rio Homem, quase sem poluição, que merecia tanto que se criassem condições, para que os aquistas andassem por lá… mas, tem que ser levados.
Eu, se for a qualquer sítio, mesmo que não conheça nada, sou como o furão vou furando por todo o lado. Mas eles coitados, vem para cá tratar-se, já lhes basta aturar uma doença que é chata e ainda tem que estar presos, pregados ao mesmo local.
A Caldelas, faz falta também, o turismo rural, que já está a nascer e oxalá tenha continuidade.


18 - Quando é que descobriu que a sua vida iria ser relacionada com as actividades culinárias?

Eu queria ser empregado de mesa, para andar de lacinho, limpinho e de unhas bem tratadas, mas não tive a sorte de ir para empregado de mesa, mas tive a sorte de no futuro vir a ser cozinheiro. Os cozinheiros eram apelidados de “queima cebolas” e os empregados de mesa eram os “gamelas” ainda hoje nos tratam assim. No fim do trabalho saíamos e jogávamos às cartas, ao dominó etc.



19 – Desde essa altura como tem sido o seu percurso como cozinheiro?

O meu percurso, tem sido largo. Trabalhar 30 anos na mesma casa é muito bonito. Mas, nós temos que correr casas, sensibilidades e mentalidades diferentes para evoluirmos. O máximo foram 12 anos que estive numa multinacional, o resto, foram 2 a 3 anos em cada casa.

20 – Sei que tem um restaurante em Lisboa. Nesse estabelecimento é possível saborear os “cozinhados” do chefe Silva?

Poucos ou quase nenhuns. Evidentemente que a orientação é minha, mas o restaurante é do meu filho mais velho, o Domingos. É um restaurante frequentado essencialmente por gente jovem, 90% são jovens.

21 – Como justifica que os melhores cozinheiros do mundo sejam considerados homens, tendo em conta, que no dia a dia rotineiro dos nossos lares, a cozinha é o lugar predilecto das mulheres e não dos homens?

Sim, é verdade. No mundo, a maioria dos chefes são homens pois são eles que dirigem as cozinhas, têm mais autoridade e ainda conseguem exercer aquele poder másculo... Mas, na nossa terra, os melhores cozinheiros são mulheres, são elas que tem aquele cuidado, aquele carinho de fazer o arroz bem feito, a carninha assada bem feita. Sim, são senhoras que pouco a pouco vão conquistando e ocupando posições de relevo, lugares que merecem...

22 – Acha que a nível de ensino já existem cursos suficientes e com a devida qualidade sobre a hotelaria e a arte de se ser um bom cozinheiro(a)?

Cursos suficientes já há bastantes, pode ainda haver mais, pois não fazem mal nenhum. Agora com qualidade é que tenho dúvidas, há uns quantos que tem qualidade e há outros assim assim. Mas, todos eles podem contar comigo para uma eventual orientação. Todos os profissionais, desde aprendam uma profissão, devem pensar no futuro e na evolução, pois, o pior que pode acontecer é tornar-se empresários. A trabalhar para os outros ninguém fica rico... (risos)


23 – Acha que em Portugal se come bem?

Sim, em Portugal come-se muito bem, mas por vezes enfiam-nos alguns barretes.


24 – Os portugueses, por vezes, não abusam e esquecem a correcta alimentação?

Sim ás vezes, mas ela é tão boa... até eu abuso, mas não muito.


25 - Qual é o verdadeiro prato típico de Portugal?

O prato típico de Portugal, é o cozido à portuguesa. Tenho catalogadas 32 vertentes do cozido à portuguesa. Os pratos típicos de Portugal por excelência são, primeiro o Cozido à portuguesa e, ao lado, o bacalhau em qualquer uma das suas formas.


26 – Que género de comidas os portugueses mais gostam?

Os portugueses de um modo geral gostam de tudo, desde que seja bem feito. Tanto gostam de sardinhas como de bacalhau, cozido, um bom bife, um bom frango, mesmo que seja grelhado ali na feira da Malveira ou aqui na Loureia onde estavam a grelhar junto à estrada.


27 – E no seu restaurante? Que género de pratos são solicitados pelos seus clientes?

Tem o prato do dia para os clássicos e para os jovens tem os hamburgers, as pizas, os crepes. Uma cozinha moderna mais acessível, porque, normalmente os jovens infelizmente, têm pouco dinheiro para gastar...