domingo, setembro 24, 2000

domingo, abril 16, 2000

Amigos


Suiça - ano 2000

terça-feira, março 28, 2000

Manuel Alegre - Entrevista






Manuel Araújo - 28-3.2000

Prémio Pessoa 99 e Fernando Namora - Qual é o sentimento de receber estes dois prémios ?

Recebi vários prémios este ano. Recebi, primeiro, o prémio da Secção Portuguesa Associação Internacional dos Críticos Literários, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, prémio Fernando Pessoa e o prémio Fernando Namora para o romance. O mais significativo de todos é, sem dúvida, o prémio Fernando Pessoa, que é hoje uma grande referência cultural no nosso país. Nunca escrevi a pensar nos prémios. A minha amiga Sofia, diz que pensar nos prémios faz mal à cabeça e eu estou de acordo com ela, nunca pensei e nunca escrevi a pensar nisso. Evidentemente, que é agradável receber prémios, são sobretudo uma responsabilidade acrescida quando se recebe um prémio com o significado como o do Fernando Pessoa. Mas, não é o prémio que faz ou desfaz uma obra, é, talvez, um momento de consagração, de reconhecimento. Contudo, o meu maior prémio, são os meus leitores, sobretudo quando os meus livros eram proibidos e se faziam cópias manuscritas ou dactilografadas porque não haviam máquinas de fotocópias e os livros circulavam manuscritos ou dactilografados, esse é que é o prémio principal.

A poesia de intervenção tem os dias contados?

Não sei muito bem o que é poesia de intervenção. Oiço muito falar nisso mas não sei bem porque se chama e porquê. Quem escreve, escreve para intervir. Depende das circunstâncias históricas, evidentemente, se vivemos numa ditadura ou numa tirania um poema pode ter um determinado significado. Ainda ontem, no discurso que fiz, falei num grande poeta russo que foi deportado e morreu a caminho da Sibéria. Quando foi deportado, disse á mulher que a poesia é o poder, a mulher julgou que tinha enlouquecido, só depois é que percebeu que ele morreu por causa de um poema contra o Stalin. Mas a verdade é que hoje as estátuas do Stalin são derrubadas e erguem-se estátuas a ele. Nesse sentido, um poema pode ter um grande significado imediato ou um grande significado histórico. Eu próprio, escrevi alguns poemas que foram transformados em hinos da resistência, mas, nenhuma poesia é de intervenção e toda ela é de intervenção.

Foi fácil fazer coabitar a política com a poesia?

Olhe, isso é uma pergunta que me fazem sempre. A poesia dificilmente coabita com algo que não seja ela, acho, que a poesia, é algo que está aquém e além da literatura. Costumo dizer, que é uma relação mágica com o mundo. É uma relação do mundo através da palavra poética, ou, a Liberdade Livre de que falava Ramboa. É uma coisa exclusiva e quase totalitária que dificilmente convive com outra coisa, simplesmente, também, não há separação da escrita e da vida. A minha geração foi um pouco invadida e ocupada pela história muito marcada. Pela circunstância histórica de um povo que viveu fora da história ou como aqueles poetas que se consideram inespaciais, intemporais como dizia com ironia João Cabral; portanto, foi a vida… foi a vida. Também, se não tivesse vivido o que vivi, provavelmente não teria escrito o que escrevi.

No livro Alma, que é de grande profundidade pelos valores cívicos, sociais e republicanos, fica uma pergunta em aberto, citamos:
„Mas a quem tenho eu de agarrar pelos pés e bater com a cabeça no chão para que de uma vez por todas me digam porque é que uns usavam sapatos e outros não?“
Já lhe responderam a esta pergunta?

(risos) Eu próprio respondi a essa pergunta. Procurei a resposta na base da injustiça. Essa pergunta é uma metáfora, mas realmente eu fazia essa pergunta quando era pequeno, porque eu lembro-me desse Portugal, do pouquechinho, da muita miséria, da muita pobreza. Eu andei numa escola em Águeda, pertencia a uma família privilegiada em relação à maior parte dois meus companheiros de escola que iam descalços, haviam muito poucos que usavam sapatos , alguns chancas, outros andavam descalços e eu fazia essa pergunta. Essa pergunta tem a ver com a desigualdade da origem, a única resposta é criar as condições para que haja igualdade de oportunidades, as pessoas são diferentes , não há igualdade no fim, mas tem que se criar cada vez mais condições de igualdade à partida. Eu por exemplo, se fosse filho do pai do Joaquim Pereira, que é um rapaz meu colega, que por acaso era o melhor aluno da minha classe, que era operário, tinha, se calhar, ficado como ele com a oficina e assobiava ou tocava guitarra ou tocava flauta, mas não escrevia aquilo que escrevo.

Uma pergunta do Luís Esteves:

Os grandes poemas do Manuel Alegre nasceram de momentos de grandes paixões?

(risos) A grande paixão é a vida e a vida é feita de múltiplas paixões. Não é apenas a paixão de um homem por uma mulher mas a paixão de um homem por muitas coisas; pelo Mar, pelo País onde se nasceu, pela Pátria, pela Liberdade e pela vida nas suas múltiplas facetas.


O idealismo político, neste mundo da globalização, tem futuro?

Não, este é um tempo a que chamaram a era do vazio, pós modernismo, o princípio de prazer que se sobrepõe o egoísmo, o narcisismo, o carreirísmo que se sobrepõe às convicções e aos ideais. Mas estas coisas são cíclicas e os ideais não morrem.

Que é ser político nos fins do século XX?

Ser político no século XX, XXI,XXII ou no século 1 é sempre a mesma coisa. É uma pessoa procurar lutar pelo bem comum, ter uma certa ideia da rés publica, da coisa pública, que é isso que neste momento está em crise, é o espírito do serviço de servir a coisa pública, de servir os outros, de procurar sobretudo o bem estar geral e o bem comum.

Que é ser socialista hoje?

(risos) Ser socialista hoje, é ter uma visão que não seja uma visão resignada nem conformista. É continuar a acreditar que é possível um projecto de transformação da sociedade, é não passar o Estado à clandestinidade, é não acreditar que o mercado entregue a si mesmo resolve todos os problemas, é conciliar a economia de mercado com a justiça social, é conciliar a economia de mercado com o papel do Estado, não apenas como regulador mas também como interventor instrumento de correcção das injustiças e das desigualdades. E é colocar, enfim, a realização da Justiça num sentido amplo acima dos negócios, é uma pessoa continuar a bater-se por uma ética dos valores e pelo primado da política como pelo primado da política sobre a Economia e o economicismo, aquilo que é hoje a ditadura dos mercados financeiros.

Uma data e uma personagem ?

São muitas, mas uma data é o 25 de Abril de 1974, sem qualquer dúvida nenhuma. Personagens são muitas, conheci grandes figuras deste século, por exemplo o Che Guevara... entre outros. Mas, como amigo, companheiro de combate e luta nas grandes batalhas da Liberdade do nosso país foi, sem dúvida nenhuma, o meu querido amigo Mário Soares

Como é que vê a integração da diáspora portuguesa no país real?

È difícil de responder… nós somos um país que se fez muito para fora. Muitos grandes portugueses, a começar pelo Camões, foram emigrantes. Portugal foi muito feito de fora para dentro e continua a ser um país de emigrantes. Penso que se deram hoje grandes passos, quer no ponto vista dos direitos dos emigrantes, quer do ponto de vista dos direitos que estão consagrados na Constituição, quer da maneira como o próprio Estado Português tem negociado com os países de acolhimento. Hoje, é muito diferente a situação dos emigrantes portugueses daquela que eu vi, por exemplo, no início dos anos 60 quando cheguei a Paris onde me inteirei de portugueses a viverem em condições infra-humanas nos “Bidons Villes”. Alguma coisa mudou, estamos, sobretudo, na Europa neste período de construção da União Europeia e os emigrantes portugueses são cidadãos da Europa.

Para quando a sua próxima visita à Suíça ?

Isso não sei dizer. Fui convidado recentemente mas não pude ir, espero ter um dia destes a possibilidade de o fazer. Quando estava no exílio, passava frequentemente por Genebra e por Lausana, onde tinha amigos, como; o António Barreto, Eurico de Figueiredo e o Medeiros Ferreira. Passava frequentemente por lá, quando ia a caminho de Argel como quando viajava para Paris também passava pela Suíça. Não só foi um local de acolhimento para os emigrantes de hoje, mas, sobretudo, para os exilados da altura, é preciso não esquecer disso. A Suíça, com todas as suas características, foi um dos poucos países da Europa que reconheceu aos exilados portugueses o estatuto de refugiados políticos.

Uma palavra, recomendação ou conselho aos nossos emigrantes ?

Em primeiro lugar uma palavra de solidariedade, porque eu também fui emigrante. Fui emigrante político mas também foi emigrante. Preservar a Língua, transmitir a Língua aos filhos porque a Língua é o nosso melhor bem e a Língua é a nossa própria identidade. Perder a Língua, é perder a alma e nós não devemos perder a nossa alma lusíada e isso é o principal de tudo. Preservar a Língua e transmiti-la aos filhos, aos netos, porque a nossa Língua, além de ser a de Camões, é uma das mais belas Línguas do Mundo como é também a terceira Língua da Europa Ocidental mais falada em todo o Mundo. Por isso, os portugueses devem ser os primeiros a terem a obrigação de a falar e de a preservar.

Diamantes, Angola, família Soares — quer comentar?

Isso tratou-se de uma calúnia infame. O Dr. Mário Soares foi um homem que sempre lutou pelos Direitos Humanos e nos Direitos Humanos não pode haver dois pesos e duas medidas. Não podemos defender os direitos na Jugoslávia e esquecê-los noutros países, mesmo em Angola. Fui militante anti-colonialista, desde a primeira hora estive preso em Angola, sempre fui solidário até com o MPLA, mas, isso não quer dizer que possa estar de acordo com as violações dos direitos Humanos e muito menos aqui não se trata de defender das calúnias contra o Mário Soares que foi presidente da Republica e membro do Conselho de Estado ou de João Soares que é presidente da Câmara Municipal de Lisboa. São calúnias que atingem a dignidade do Estado português e por isso mesmo, o nosso presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, reagiu com muita firmeza, com muita clareza e muita dignidade porque trata-se não de uma questão pessoal, mas duma questão com o nosso próprio país e com o Estado português.

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Curriculum

Manuel Alegre de Melo Duarte
Nasceu em Águeda a 12 de Maio de 1936
Possui o 3º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, é Escritor e desempenha actualmente o cargo de vice-presidente da Assembleia da República, é Membro do Secretariado Nacional e da Comissão Nacional do PS.
Exerceu os cargos de vice-presidente da Assembleia da República na VII Legislatura, foi Secretário de Estado da Comunicação Social, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, Presidente e vice-presidente da Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS, Presidente da Delegação da Assembleia da República ao Conselho da Europa, vice-presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Deputado à Assembleia Constituinte, Deputado à Assembleia da República nas I, II,III,IV,V,VI e VII Legislaturas.
Foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, Comenda da Ordem de Isabel “A Católica”, Medalha de Mérito do Conselho da Europa, Grande Oficial de D´Higgins (Chile), Diploma de Membro Honorário do Conselho da Europa.
Títulos literários e científicos: Conferências em Escolas e Universidades Nacionais e Estrangeiras; A sua obra tem sido objecto de estudos e teses em universidades nacionais e estrangeiras: Universidade Nova (Lisboa), Faculdade de Letras (Coimbra), Universidade Livre de Bruxelas, Universidade Livre. de Gaulle, Lille, Universidade de Nice, Bologna, Instituto Orientale (Nápoles).

Obras Publicadas: Praça da Canção; O Canto e as Armas; Lusiade Exilé; Um Barco para Ítaca; Letras; Coisa Amar; Nova do Achamento; Atlântico; Babilónia; Chegar Aqui; Aicha Conticha; Jornada de África (Romance); O Homem do País Azul (Contos); Obra Completa (Poesia); Rua de Baixo; Com que Pena ( Vinte Poemas para Camões); Coimbra nunca Vista; Sonetos do Obscuro Quê; Trinta Anos de Poesia; Alma (Romance).

quarta-feira, fevereiro 02, 2000

Entrevista - Manuel Araújo





Adélio Amaro

1 - Vivendo alguns anos na Suíça e agora a residir em Portugal, como surgiu a ideia de fundar um jornal dedicado aos portugueses residentes no país referido?

Foram quase 20 anos de permanência no país helvético, onde, profissionalmente passei por sectores da Hotelaria, Indústria, Saúde e pela Comunicação Social. Neste último, fiz parte da equipa redactorial de um jornal comunitário, que iniciava na altura, a sua actividade naquele país.
Foi nessas andanças, que o meu amigo Adelino Sá (hoje director da Gazeta Lusófona) me conheceu, juntou-se também á nossa equipa, mas, com o passar do tempo, não nos sentíamos realizados, a nossa acção era limitada, a rédea era curta e além disso, tínhamos também, uma concepção diferente do que deveria oferecer um verdadeiro jornal para o emigrante. Sabíamos exactamente o que queríamos, por isso, depois de alguns entraves e atropelos a algumas das nossas iniciativas, rompemos com o referido jornal e no dia 25 de Abril de 1998, nasceu o embrião do que é hoje o Gazeta Lusófona.

2 - Os portugueses e descendentes dos mesmos têm aderido bem ao projecto 'Gazeta Lusófona'?

O emigrante português, salvo raras excepções, não tem hábito de leitura. Os jornais que por vezes lêem, são os desportivos (eles) e (elas) a "Maria" e nós tinha-mos consciência, que ia-mos encontrar uma barreira muito alta para ultrapassar, não podíamos chegar e ..."toma lá Cultura !"
Foi por isso, que aceitamos o desafio com determinação e que hoje, já se sentem os seus frutos, são cada vez mais pessoas de todos os sectores da Sociedade que nos acarinham, incentivam e lêem, isso é gratificante e dá-nos força para ir mais além.
A "Cultura", neste caso, tem sido servida como um medicamento, bem doseada, pois se a dose for excessiva, o paciente, sente-se mal e pode até morrer... quero dizer, deixar de ler.

3 - Como poderemos classificar o 'Gazeta Lusófona'?

A classificação oficial do Gazeta Lusófona, de acordo com o deliberado pela AACS, é como sendo - "uma publicação periódica, portuguesa, de informação geral e destinada ás comunidades portuguesas" - e eu acrescento, "abrangente e de teor cultural ", pois, desde o número zero, não abdicamos de secções culturais fixas, tais como Literatura, Poesia (consagrados e inéditos), História, Culinária, Esoterismo, Humor etc.
Tem sido com muito orgulho, que temos contribuído para o aparecimento de novos valores na comunidade, tanto na área das artes, das letras ou outras.

4 - Além dos portugueses residentes na Suíça tem sentido eco dos residentes em Portugal?

O Gazeta, é em Portugal, praticamente desconhecido, porque não fazemos promoção, mesmo assim, pode ainda ser encontrado em alguns pontos de venda, e em muitas Instituições oficiais e é lido com agrado.
Existem muitos ex-emigrantes que regressaram e continuam a ser fieis ao nosso projecto, querem continuar a ser informados do que se passa lá, são eles os nossos melhores promotores, fazendo cada vez mais assinaturas que oferecem a familiares e amigos.

5 - As entidades portuguesas, em Portugal e na Suíça, têm colaborado com o Jornal?

O único apoio que tivemos desde a nossa criação, foi apenas o Porte Pago, foi sacado a ferros, deu a impressão que alguém punha areia na engrenagem... Excluindo o Porte Pago, tanto cá, como lá... palavras, palavras, palavras, só isso.

6 - Quais são os temas principais que um leitor pode ler ao folhear o 'Gazeta Lusófona'?

Como já referi anteriormente, não abdicamos das secções fixas da Literatura, Poesia, da História, da Culinária a cargo do Chefe Silva, meu conterrâneo e amigo, o Esoterismo, o Humor, as informações e regulamentações sobre o trabalho, Leis, os Consultório Social e Jurídico, as informações e reportagens de tudo que se passa no vasto Movimento Associativo (existem na Suíça, cerca de 400 associações de portugueses).
Quem quer que seja, mesmo muito exigente ou crítico, encontrará sempre algo, que lhe agrade, porque existe um leque muito alargado de opções de leitura.


7 - Acha que um jornal português na Suíça, como o 'Gazeta Lusófona', poderá ser quinzenário ou semanário?

Sem dúvida, mas a curto prazo, isso, está fora de questão.
Como sabes, estamos limitados em meios, continuamos a evoluir favoravelmente e vamos continuar nos moldes actuais, com passos curtos, mas seguros.

8 - Sente que este Jornal tem contribuído para uma maior ligação entre os portugueses na Suíça e os acontecimentos em Portugal?

Um exemplo mais que positivo, que conheces bem, é a tua página com as notícias da região de Leiria, que mensalmente nos presenteias. É muitíssimo apreciada, pelas gentes emigradas da região de Leiria. É nossa intenção, alargar a experiência a outras zonas de Portugal, pois, é já uma exigência dos portugueses de outras regiões...

9 - Ao elaborarem o Gazeta quais têm sido as maiores preocupações e dificuldades que têm encontrado?

No início, quando embarcamos nesta aventura, passamos um mau bocado, éramos carenciados de tudo, valeram-nos as nossas contas bancárias privadas, para suportar todos os encargos necessários para a saída do jornal. Fizemos das tripas coração, mas saiu sempre religiosamente na primeira semana de cada mês, nunca falhamos... Recordo, que o Porte Pago, apenas nos foi atribuído 14 meses depois do nosso início de actividade e cada jornal, para ser enviado para a Suíça, custava 200 esc. cada, era muito dinheiro... hoje, estamos na linha d´água...
Gostaríamos de renovar equipamentos e mobiliário, de ter mais um jornalista a tempo inteiro e de ter capacidade para remunerar os nossos colaboradores... Estamos presentemente, a elaborar um projecto de candidatura aos incentivos de Modernização Tecnológica, vamos ver o que dá…

10 - Sentem necessidade de aumentar a vossa área de intervenção para outros países?

A curto prazo, está fora de questão, mas não está excluída totalmente essa possibilidade.

11 - Além dos acontecimentos dos portugueses na Suíça tem havido uma preocupação da vossa parte para os assuntos que se destacam em Portugal?

A prioridade da nossa informação, vai para os acontecimentos na Suíça, e como já á pouco referi, dar também conhecimento das pequenas notícias, das várias regiões de Portugal. Da grande informação de Portugal, tem já o emigrante conhecimento, através da RTPi ou da SIC internacional.

12 - A área cultural aparece sempre nas folhas do Gazeta. Qual o vosso objectivo ao apostarem muito na cultura, seja ela histórica ou actual?

Como disse, foram inúmeros, os anos de fome cultural, passados na Suíça, por isso, vamos continuar com o nosso projecto, tentando recordar aos mais velhos e ensinar os mais novos, com textos curtos e incisivos, quem foi Camões, Pessoa, Garrett, Namora, o 25 de Abril etc. e que Portugal existe.
Em suma, reavivar e manter o elo da nossa nacionalidade, através da Língua de Camões.

terça-feira, janeiro 18, 2000

Fernando Pessa - Entrevista

Manuel Araújo 

- 16 Fev. 2000 

  Fernando Pessa nasceu a 15 de Abril de 1902, em Aveiro. Começou por trabalhar em seguros e só mais tarde é que veio a ser jornalista. Actualmente, vive em Lisboa, passando parte do seu tempo com os amigos e a organizar outras tarefas diárias no seu escritório. Após algum tempo parado, depois de ter partido uma perna, Fernando Pessa afirma, dentro de um mês, estar pronto para fazer mais umas ‘brincadeiras’ para a RTP. Assim, para sabermos algo mais e como é o dia a dia deste grande senhor do jornalismo, fomos recebidos amavelmente em sua casa onde trocamos algumas impressões.


Já todos conhecem e sabem algo sobre o Fernando Pessa, no entanto, vamos começar pelo início. Onde nasceu? 
 Eu nasci em Aveiro. Eu sou Cagaréu. 

Cagaréu? 
Cagaréu é o habitante de Aveiro que nasceu na freguesia de Vera Cruz. 

Qual a razão dos referidos habitantes serem chamados de cagaréus? 
Eu também não sabia. Um dia foi a Aveiro e pedi uma audiência ao Presidente da Câmara, no tempo em que trabalhava na Emissora Nacional. Quando cheguei ao pé do Presidente da Câmara, questionei-o: ‘Senhor Presidente desculpe o incómodo, mas, eu vinha aqui porque nasci na freguesia de Vera Cruz, em Aveiro, e gostava de saber a razão dos naturais da referida freguesia serem cagaréus?’. Ele não sabia também, se calhar nem era de Aveiro. Depois, quando saí da Câmara tinha uma velhota na rua e cheguei ao pé dela e disse: ‘Desculpe, a senhora é de Aveiro?’. Ela respondeu que sim e fiz-lhe a mesma questão: ‘Sabe, eu nasci aqui em Aveiro e dizem que sou Cagaréu, sabe a razão de tal?’. A velhota muito ofendida disse: ‘Ai, não diga esses palavrões’, e foi embora sem dar a explicação. Mais adiante, entrei num jardim e encontrei dois velhotes sentados num banco, a conversarem um com o outro, e pensei: ‘estes é que me vão dizer’. Fiz a mesma pergunta e um deles respondeu: ‘Então o senhor não sabe a história! Nos barcos que andam ao serviço da ria entrou de novo um rapaz. O patrão da embarcação, numa manhã que andavam a trabalhar, ia na proa do barco com a vara a movimentar o barco de um lado para o outro, e de repente o rapaz chegou ao pé dele e disse: ‘Oh patrão, estou com dores de barriga mas, aqui não tem retrete, que é que eu faço?’. E o patrão voltou para ele e disse: ‘Oh pá, caga a ré’. E ‘caga a ré’ deu Cagaréu. 

Ainda recorda, com 98 anos, os dias da sua juventude? 
Eu lembro-me muitas coisas que se passaram há ‘milhentos’ anos, porque eu só sou 2 anos mais novo que o século XX, mas não me lembro de muitas coisas que se passaram ontem de tarde. 

Nasceu no ano de 1902? 
Sim. Ainda o século XX não falava. (risos) Imagine: no ano 2 o século XX ainda não falava e o fim do século acaba com computadores. A única coisa que nós procuramos, nos dias de hoje, no computador, é descobrir aquilo que ele não é capaz de fazer. 

Qual é o segredo para chegar aos 98 anos em tão boa forma? 
Eu estou convencido que foi o facto de ter deixado de fumar, já lá vão uns 50 anos... Eu fumei bastante durante a II Guerra Mundial. Mas, quando voltei para Portugal, em 1947, numa manhã, quando me levantei e comecei a tossir deitei sangue pela boca. Apanhei um grande ‘cagaço’, chamei o médico e fiquei na cama durante três dias. Passado esse tempo o sangue parou. Desde então, nunca mais fumei. Eu dou graças a Deus ter deixado de fumar. Estou convencido se tivesse continuado a fumar, se calhar, já estava a incomodar as pessoas que estão lá no outro lado, para onde eu irei quando acabar a vida. 

Actualmente, incomoda-o se alguém estiver a fumar ao seu lado? 
Agora, o que me incomoda são as meninas que fumam muito mais que os rapazes. A emancipação das garotas, perante o olhar de todo o mundo, são duas coisas: uma delas é andarem no meio da rua penduradas num cigarro; a outra coisa é andarem penduradas num garoto da mesma idade a fazerem certas coisas, no meio da multidão que passa mesmo ao lado deles. 

Como é que justifica esse ‘avanço’ por parte das mulheres jovens? 
No meu tempo não havia nada disto. Dantes a gente só via garotas no dia de Quinta-feira Santa, quando ia para o Chiado, muito bem vestidinho, com uma gravata bonita, onde elas iam, com a mamã, com a avó e com a titia, fazer a visita a sete igrejas. Sair sozinho com uma garota? Não. Nunca consegui. Consegui namorar algumas, onde elas estavam penduradas numa janela e eu cá em baixo a gaguejar, e mais nada. 
Acha que se estão a perder certos valores na sociedade?
Eu tenho a impressão que sim. Aquilo que se fazia no princípio do século era demais. O que se faz agora é muitíssimo demais do que era antes. Havia uma prisão maior, no tempo antigo, e agora as coisas puxaram para o lado inverso. No meu tempo, a minha mãe ou o meu pai nunca me falaram em sexo e ai de mim se falasse em sexo. Levava logo uma estalada que fica com a cara ao lado durante a tarde inteira. Ao longo da vida, eu próprio, é que aprendi o que era a história do tal ‘sexo’.

Como é que um jovem de Aveiro aparece em Lisboa interessado em ser jornalista?
Eu nasci em Aveiro numa casa pegada ao Quartel Cavalaria 8, em que era médico meu pai. Quando iam limpar os cavalos na cavalariça, eu era levado ao colo e colocado em cima do cavalo, enquanto este era limpo. Daí surgiu o meu amor pelos cavalos. Eu saí de Aveiro com 3 anos e foi para Penela viver com a minha mãe, numa casa herdada. O meu pai tinha ido, como médico, para S. Tomé. Depois, fiz a 4ª classe em Coimbra, liceu e por aí fora. Quando estava em Coimbra, com a mania dos cavalos, eu via chegar a Diligência que vinha de Coimbra para Penela, e dizia: ‘quando for grande quero ser cocheiro de Diligência’. Mais tarde, pensei em ser Oficial de Cavalaria. Só que a I Guerra Mundial acabou um mês antes daquilo que devia ter acabado.

Um mês antes?
Se a Guerra tem durado mais um mês eu tinha entrado para a escola e seria o Oficial mais jovem do Exército português - Oficial de Cavalaria. Quando a Guerra terminou, a primeira coisa que o Governo português fez, como havia oficiais a mais, foi parar a entrada de civis para a Escola Militar, que nessa altura se chamava Escola de Guerra, e só deixaram entrar nessa escola os alunos que vinham do Colégio Militar de Lisboa. Isso, levou-me a desistir de ir para Oficial de Exército e procurar outra vida. Aos 18 anos, mais ou menos, eu arranjei um emprego numa companhia de seguros, em Lisboa. Antes tinha arranjado um emprego num banco mas, desisti porque achei que eu nunca mais iria ser um banqueiro. Mais tarde, a companhia abriu novas instalações no Brasil e fui destacado para lá, onde dirigi a secção de seguro automóvel. Fiquei por lá 6 ou 7 anos. Depois, voltei para Portugal. Só nessa altura, quando estava a procurar emprego, um amigo disse assim: ‘Eh pá, ontem ouvi na rádio que estão a pedir pessoal para a Emissora Nacional’. Fui até lá e disse: ‘Eu queria concorrer no vosso concurso’. Era um concurso puxado... Dos cerca de 200 candidatos eu fiquei classificado em segundo lugar. Passados quinze dias comecei a anunciar discos nos estúdios da Emissora Nacional. Um certo dia, o Director da Emissão chegou ao pé de mim e disse para eu fazer um reportagem no exterior. Fiquei admirado porque eu não sabia o que era isso de reportagem no exterior. Colocaram o microfone no meu pescoço e mandaram-me descrever, durante duas horas, um raid aéreo de acrobacias, na Amadora, para homenagear a memória do Capitão Abreu. E, durante duas horas, lá estive eu a relatar, blá, blá... Como a coisa saiu bem, comecei a ser o repórter da Emissora Nacional.

Como é que aparece a BBC na sua vida? 
Um dia, o Director da Emissão chegou ao pé de mim e disse; "Está ali um senhor inglês que quer falar consigo". Quando fui falar com o homem, ele mostrou um cartão da BBC. O homem disse que gostava do trabalho que eu estava a fazer, na Emissora Nacional, e convidou-me para trabalhar na BBC de Londres. Pedi autorização ao meu Director e ele disse: ‘Oh Pessa, um lugar na BBC? Agarra com as duas mãos porque isso é a maneira de você se profissionalizar. Nós aqui somos todos amadores e andamos todos a fazer asneiras. Vá e quando você voltar tem sempre a porta aberta aqui na Emissora Nacional’. Aí é que ele se enganou!

Quando voltou não teve a ‘porta aberta’?
Não. Eu fui para a BBC de Londres em vez de ter ido para uma Estação da Alemanha. Se eu tivesse ido para a Alemanha estava convencido que na volta eu tinha entrado de novo para a Emissora Nacional. Como fui para a Inglaterra, na volta, as portas da Emissora Nacional não se abriram para mim. 

Depois de regressar da Inglaterra qual a razão que a Emissora não lhe ‘abriu a porta’ novamente?
Eles nunca me deram a razão. Disseram que o quadro estava completo. Tinham, realmente, boas razões nessa altura.... (risos) 

Porquê? 
Porque, ‘cheira-me’, ainda hoje me ‘cheira’, que o Governo de então, aqui em Portugal, simpatizava mais com o Governo Alemão do que simpatiza com o Governo inglês. Isto é uma coisa que muita gente ainda hoje diz. 

Ficou no desemprego?
Nesse ano de 1947, estive ainda a trabalhar em várias coisas, para me aguentar aqui. 

Que género de ‘coisas’?
Estive a fazer versões portuguesas de documentários de cinema, feitos no estrangeiro, visto que a nossa produção nacional era tímida. Eu tinha um grande amigo que era o dono do cinema Roma e da maior parte dos cinemas do país e nas antigas colónias portuguesas em África, e que precisava de muitos documentários para fazer os programas de então. Com quinze ‘paus’ a gente ia ao cinema, tinha um jornal, tinha um bom documentário, tinha um desenho animado e por vezes ainda tinha um segundo documentário. E então, eu andei, durante dois anos, a fazer documentários para os cinemas. 

Como é que depois o Fernando Pessa aparece na RTP? 
Quando começou a RTP, vieram-me buscar para eu ir abrir na Feira Popular, que era onde está agora a Gulbenkian, a apresentação dos colegas que depois iam fazer os programas da RTP. Não me deixaram entrar para o quadro da RTP, talvez porque a rádio não me tinha admitido eles também não me queriam admitir. Mas, consentiram que eu fosse colaborador da RTP. Só em 1976 é que eu consegui deixar de ser colaborador para entrar para o quadro. Agora, reformado, ainda faço umas brincalhotices para a RTP, mas, quando a caixa dos pirolitos começar a falhar eu paro. 

Antes de morar em Lisboa estudou em Coimbra, como anteriormente referiu. Nesse tempo era fácil entrar na Universidade?
Naquela altura fiz a matricula na Universidade, paguei e pronto. Não era preciso fazer nenhum exame como agora. Mas, quando era feita a matricula era necessário saber, pelo menos, falar bem português. 

Actualmente, como é o seu dia a dia?
O meu dia a dia, desde os últimos 14 meses, é uma chatice. Parti a perna, faz agora 14 meses, fui operado por três vezes e só agora é que eu estou realmente a melhorar e já consigo andar. Embora ainda ande com as canadianas, não é pelo facto de eu gostar de andar muito com raparigas estrangeiras, mas é porque tenho medo de um desequilibranço. Uma queda em cima desta era uma coisa seriamente grave. Ando com elas só para prevenir, por enquanto. Mas, já consigo andar sem elas. Eu estou convencido que mais um ou dois meses estarei nas condições necessárias para continuar a fazer o meu; ‘E esta hem!?’. 

Como explica a grande concorrência, por vezes desleal, que existe entre os jornalistas e os meios de Comunicação Social?
É uma concorrência que eu não gosto muito. Por vezes, são inconvenientes uns com os outros. Nós devemo-nos respeitar uns aos outros, por mais diversas que sejam as nossas ocupações. Eu posso estar a trabalhar numa Estação, o meu amigo está a trabalhar noutra mas, não existe nenhuma razão para que eu não o respeite a si e você não me respeite a mim. Agora, podemos censurar o trabalho que se faz. É isso, que eu, por vezes, costumo fazer.

Quer dar um exemplo?
Por que é que os nossos realizadores adoptaram, de uma maneira geral, em todas as Estações de TV, por tudo e por nada, colocarem uns indivíduos, alguns ganham dinheiro por isso, a fazer público, nos programas em que este se dispensa completamente. Mas, para que é aquele público? É para dar palmas, muitas vezes fora de propósito, só para o realizador mudar de plano e não se dar pelo corte que se faz na montagem? Mas, alguém emendou isso até agora? Não. Ninguém vai emendar. As palmas são uma coisa muito prática. Meia dúzia de indivíduos sentados ali a bater palmas. Eles adoram ir lá. O sonho de toda a gente, hoje em dia, aqui na nossa terra, é um dia aparecer no boneco da TV.

Isso acontece também nas reportagens do exterior?
Quando eu faço reportagens ou tenho que entrevistar alguém na rua, eu encosto-me sempre na parede que é para não aparecer ninguém atrás de mim, meia dúzia de ‘galões’, a dizer adeus para a mãe.

Quais foram as grandes paixões da sua vida?
Comecei com garotas, depois passei para cavalos, de cavalos para bicicletas e acima de tudo uma grande paixão pela vida.

Que conselho ou recomendação daria aos portugueses que vivem lá fora?
Nunca esqueçam a nossa terra, por mais mal que possam dizer. A grande parte daqueles que saem de Portugal quando chegam ao estrangeiro, muitos deles, fazem aquilo que na nossa terra sempre recusaram fazer, por acharem que não era trabalho que se desse a pessoas com as suas qualificações. Nunca esqueçam a nossa terra. Voltem, poupem o mais que poderem e façam a sua casinha em Portugal, para depois albergarem os filhos e netos.
E esta, hein ???

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- Às seis horas da manhã, do dia 29-04-2002 Com cem anos de idade, morreu Fernando Pessa, o mais velho jornalista do mundo morreu esta manhã. Duas semanas depois de ter completado cem anos de idade, Fernando Pessa faleceu no Hospital Curry Cabral. Até sempre Fernando...