"Levam sonhos deixam mágoas, ai rios do meu país..."
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Em entrevista (*) efectuada ao Manuel Alegre no ano 2000, perguntei:
Que é ser socialista hoje?
É continuar a acreditar que é possível um projecto de transformação da sociedade, é não passar o Estado à clandestinidade, é não acreditar que o mercado entregue a si mesmo resolve todos os problemas, é conciliar a economia de mercado com a justiça social, é conciliar a economia de mercado com o papel do Estado, não apenas como regulador mas também como interventor instrumento de correcção das injustiças e das desigualdades.
E é colocar, enfim, a realização da Justiça num sentido amplo acima dos negócios, é uma pessoa continuar a bater-se por uma ética dos valores e pelo primado da política como pelo primado da política sobre a Economia e o economicismo, aquilo que é hoje a ditadura dos mercados financeiros.
(*) A entrevista completa, está no fim deste blog
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não
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«Trova do Vento que Passa»
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
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As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967
1 comentário:
A Liberdade de Expressão
A minha surpresa, estes dias, ao ver o que disse o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre os acontecimentos relacionados com os cartoon’s, e que coloca um peso sobre a Liberdade de Imprensa, fez-me reflectir sobre a questão do Médio Oriente e sobre a Liberdade de Expressão.
Já todos sabemos que a questão do médio oriente é um barril de pólvora enquanto não tivermos a noção do choque de culturas, enquanto não tivermos a noção do Nós e Eles, e objectivamente nesta afirmação admito o conflito existente pois neste momento não podemos todos ser Nós, no entanto repudio quaisquer forma de violência imperialista e expansionista sobre culturas diferentes da nossa.
Estranho é que pelos vistos a Liberdade de Expressão que julgava ser uma condição perfeitamente assumida em Portugal, depois das declarações do Prof. Freitas do Amaral que creio a colocam em causa, está também hoje a ser questionada por outro sector do Partido Socialista, nomeadamente por alguns deputados do PS, que entendem que um deputado não pode falar sobre matérias importantes para o país, matérias importantes para a dimensão política internacional.
Entendo e percebo a disciplina partidária, bem como entendo a bem do interesse nacional a disciplina de voto, agora não entendo o calar das consciências, sobretudo por pessoas que nunca ouvimos uma opinião sobre o que quer que seja. Aliás refiro que estes episódios servem apenas para ouvirmos falar de alguns deputados que de outra forma ninguém saberia que existem.
Manuel Alegre ao manifestar-se a favor da Liberdade de Imprensa, está a manifestar-se no Interesse Nacional, na defesa da nossa cultura, pena é que alguns entendam Manuel Alegre como um problema. No entanto sei que o Partido Socialista no geral não pensa assim, e a isto se chama liberdade de expressão de um Partido Livre e Democrático, mesmo contra a vontade de alguns.
Jerónimo Silva
Membro da Comissão Nacional do PS
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